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CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS PRINCIPAIS MUDANÇAS - LEI 14.133/2021 | Bicalho Advocacia

Sancionada a aguardada nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), ainda que se trate de legislação não tão audaciosa quanto esperado por alguns, trouxe modificações quanto aos crimes então previstos na Lei n° 8.666/93.

No âmbito penal, os crimes de licitação, antes previstos nos artigos 89 a 99 da Lei nº 8.666/93, foram integralmente transferidos para o Código Penal, por meio da inclusão dos artigos 337-E à 337-O, no Capítulo II-B: “Dos crimes contra licitação e contratos administrativos”.

Além da realocação dos crimes da legislação extravagante para o Código Penal, a descrição das condutas típicas sofreu alterações que podem gerar significativas mudanças. Algumas impactam diretamente na descrição da conduta criminosa, bem como trás substancial alteração/majoração de seus preceitos secundários, passando a prever a pena de reclusão como regra — na sistemática anterior era a de detenção — e uma pena mínima em alguns deles, como a frustração do caráter competitivo de licitação, fixada em quatro anos, maior do que a do peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, por exemplo. Daí decorrem, aliás, duas questões processuais importantes:

 

1) Impossibilidade de oferecimento de acordo de não persecução penal (artigo 28-A, caput, do Código de Processo Penal); e

2) Possibilidade, agora, de interceptação de comunicações telefônicas a partir de investigações com foco único e exclusivo em crimes licitatórios, o que era vedado anteriormente em virtude da previsão de pena de detenção (artigo 2º, inciso III, da Lei n° 9.296/1996 — STJ, HC 242.398/SC)

Já o crime de contratação inidônea, que previa punição igual para a admissão, a participação e a contratação de empresa ou fornecedor inidôneo por meio de licitação, agora teve as condutas segregadas por lesividade. Assim, para a mera admissão ou participação em licitação, a pena será mais branda que para o caso de contratação, o que parece mais razoável à luz do princípio da culpabilidade no Direito Penal. A antiga redação colocava na mesma posição agentes que cometeram condutas com graus de lesividade diferentes e que, portanto, mereceriam uma pena diferente e proporcional à lesividade de suas condutas.

Mudança em comento trouxe ainda a possibilidade de decretação de prisão preventiva em virtude do aumento da pena em abstrato de alguns crimes —, a presente análise restringir-se-á à alteração promovida no artigo 96 da então Lei n° 8.666/93, hoje artigo 337-L do Código Penal, a presente alteração da pena imposta, trouxe ainda modificações que acabam por gerar importantes consequências processuais que afetam o prazo prescricional, o rito em que tramitará eventual processo penal, a possibilidade de realizar acordos penais e de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

É o caso, por exemplo, dos crimes de patrocínio de contração indevida e perturbação de processo licitatório, cuja pena máxima foi aumentada de dois para três anos, o que acaba por excluí-los do rol de crimes de menor potencial ofensivo, impossibilitando, consequentemente, os benefícios previstos na Lei nº 9.099/95, como a realização de transação penal.

Outro aumento de pena que merece destaque é do crime de frustração do caráter competitivo de licitação, cuja pena passou a ser reclusão de quatro a oito anos, e multa – antes era detenção de dois a quatro anos – o que, além de elevar o prazo prescricional de oito para doze anos, impacta também a possibilidade de suspensão condicional da pena, a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e a possibilidade de regime inicial aberto para cumprimento de pena.

A nova lei criou, ainda, um tipo penal consistente na omissão grave de dados ou de informação por projetista, previsto no artigo 337-O, ao qual é cominada a pena de reclusão de seis meses a três anos, e multa. Trata-se de uma tentativa de punir também aqueles encarregados de definir condições específicas para a apresentação de propostas para licitações e contratos públicos como sondagens, topografia, condições ambientais, estudos de demanda, entre outros.

São questões que, por sua natureza, influenciam diretamente o preço e/ou as condições de fornecimento do produto ou prestação dos serviços.

Por fim, o artigo 337-P estabelece um novo critério para o cálculo de pena mínima em caso de crimes contra procedimento licitatório e os contratos administrativos. O antigo máximo de 5% do valor do contrato foi dispensado na imposição de pena, desde que ela seja calculada com base nos critérios do Código Penal.

Na vigência da Lei nº 8.666/93, o valor arrecado pela multa penal deveria ser destinado ao órgão público prejudicado pela conduta criminosa. A nova lei retirou essa previsão, provavelmente na tentativa de fixar o caráter punitivo da multa e desvinculá-la do aspecto indenizatório, que deverá ser discutido em ação cível.

Todas as normas e procedimentos conhecidos pelas empresas vão simplesmente deixar de existir e tudo irá mudar imediatamente?

Calma, você pode ficar tranquilo. A antiga Lei de Licitações, Lei 8.666/93, e a Lei do Pregão, que é a Lei 10.520/02, ainda poderão ser utilizadas pelos órgãos públicos pelo período de dois anos. Isso significa que o processo de adaptação será longo.

Esse processo é chamado de período de transição, previsto na própria lei (14.133/2021), no artigo 193, inciso II: a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta Lei.

A nova Lei de Licitações proposta prevê que os novos tipos penais enunciados entrarão em vigor na data da publicação desse diploma, mesmo momento em que os atuais crimes previstos na Lei de Licitações vigente são revogados, conforme previsto no artigo 193, inciso I, Lei 14.133/2021. Contudo, em relação a parte não penal, o projeto concedeu mais dois anos de vigência para a atual Lei 8.666/1993, permitindo que, nesse prazo, a administração pública possa optar por licitar de acordo com a lei nova ou de acordo com a atual Lei de Licitações (artigo 191, parágrafo 2º, Lei 14.133/2021).

Portanto, nos dois anos seguintes à publicação da nova lei proposta, há duas leis gerais de licitações aptas a serem adotadas e a surtirem efeitos, inclusive, na esfera penal, porque há crimes que podem ser praticados em contextos de certames que dependem da complementação de outros dispositivos extrapenais previstos na própria Lei de Licitações. O atual crime do artigo 89 da Lei 8.666/93, que visa a ser modificado pelo artigo 337-E do projeto são exemplos de lei penal em branco: são as disposições extrapenais previstas na própria Lei de Licitações que determinarão quando ocorreu uma contratação direta fora das hipóteses previstas para dispensa ou inexigibilidade do certame.

Portanto, é bem possível que algumas licitações continuem nos mesmos padrões que já conhecemos durante este prazo de dois anos, tempo que tanto os órgãos quanto as empresas terão para se adaptar e entender às novas regras.

Assim, é importante que você conheça o que vem por aí, mas mantenha em foco as regras anteriores para continuar obtendo bons resultados nas licitações.

A efetiva implementação das alterações penais ainda deve ser objeto de profundas discussões jurisprudenciais. As cortes têm pela frente a difícil tarefa de conciliar os critérios de aplicação da lei penal no tempo com as datas de celebração e vencimento dos contratos públicos em andamento, além de estabelecer os parâmetros de compatibilização das diretrizes de contratação pública antigas com as novas disposições penais pelos próximos dois anos.

Espera-se que esses problemas, aqui indicados, sejam resolvidos antes da entrada em vigor da nova Lei de Licitações proposta. Do contrário, sendo sancionada como está, essa nova lei resgatará, de vez, o Direito Penal transitório da sua sonolência dogmática — o que pode explicar a insistência na repetição daquelas expressões em latim — demandando da doutrina e da jurisprudência uma resposta satisfatória para a seguinte pergunta: se sancionada, em que momento as disposições penais dessa nova lei terão validade?

Consultoria e Assessoria em Direito de Família e Sucessões